Professora de História da SEDF especialista em

História do Brasil, atua no IHG-DF por meio de Convênio

Criada na ponta do lápis, Brasília presenteou-nos com sua arquitetura, seu urbanismo e seu paisagismo. Encheu de orgulho o brasileiro. Fez o Brasil pensar que era capaz. Fez até um belíssimo lago.

Em uma cidade referência em qualidade de vida, Patrimônio Cultural da Humanidade, o Lago Paranoá foi idealizado muito antes de sua fundação. Pensado em 1885, e realizado em 1960, o lago instiga o brasiliense sobre a origem desta História que atravessou séculos.O conhecimento da História do Lago Paranoá leva a conscientização do seu valor e a preservação para a sociedade brasiliense de seu patrimônio.

O Lago Paranoá e Brasília têm em comum histórias que traduzem o quanto lutamos por ideais nacionais.

Quando Glaziou, o paisagista do Império, desembarcou no Brasil em 1858 atendendo a chamado do Imperador D. Pedro II, o seu desejo era dar cara nova aos jardins imperiais do Brasil.Formado em engenharia civil e em botânica no Museu de História Natural de Paris teve relevante atuação em projetos de jardins, praças e parques.

Inspirado na Europa que se abria para os jardins bucólicos de influência francesa, bem como a adoção de plantas brasileiras em praças e ruas do país nas três décadas que viveu no Brasil, Glaziou transformou a paisagem brasileira na segunda metade do século XIX.Desde as Quintas da Boa Vista, o jardim do Palácio Imperial de Petrópolis, o Parque São Clemente em Nova Friburgo, a Praça D Pedro II (atual Praça XV de Novembro) até a recuperação Floresta da Tijuca foram exitosos trabalhos desenvolvidos pelo botânico.

Mas foi no inóspito planalto central brasileiro que o francês de Lannion, Auguste François Marie Glaziou idealizou grande obra.

Entre as comissões criadas para pesquisas no Brasil Central, está a Comissão Exploradora do Planalto Central (1892 a 1896), cumprindo determinação da Constituição Republicana de 1891 que previa a mudança da capital federal:

“Art. 3º Fica pertencendo à União, no Planalto Central da República uma zona de 14.400 Km, que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital Federal”.

No governo de Floriano Peixoto, esta comissão oficial realizou um vasto trabalho liderada pelo astrônomo belga LuísCruls. A Missão Cruls fez o estudo e a demarcação da área de 14.400 Km, que incorporava áreas das antigas fazendas e vilarejos do estado do Goiás.

Botânico da Comissão de estudos da Nova Capital do Brasil, a 2ª Missão Cruls, realizada no período de julho de 1894 a dezembro de 1895,Glaziou participa de forma crucial a respeito dos estudos. Ele aponta em seu relatório a possibilidade da existência do Lago. Assim ele escreve:

“entre os dois chapadões, conhecidos na localidade pelos nomes de Gama e Paranoá, existe imensa planície em parte sujeita a ser coberta pelas águas da estação chuvosa; outrora era um lago devido à junção de diferentes cursos de água formando o rio Parnauá; o excedente desse lago, atravessando uma depressão do chapadão, acabou com o carrear dos saibros e mesmo das pedras grossas, por abrir nesse ponto uma brecha funda, de paredes quase verticais pela qual se precipitam hoje todas as águas dessas alturas. […] É fácil compreender que, fechando essa brecha com uma obra de arte (dique ou tapagem provida de chapeletas e cujo comprimento não excede de 500 a 600 metros, nem a elevação de 20 a 25 metros) forçosamente a água tornará ao seu lugar primitivo e formará um lago navegável em todos os sentidos, num comprimento de 20 a 25 quilômetros sobre uma largura de 16 a 18.

Além da utilidade da navegação, a abundância de peixe, que não é de somenos importância, o cunho de aformoseamento que essas belas águas correntes haviam de dar à nova capital, despertariam certamente a admiração de todas as nações”. (GLAZIOU, 1893). [grifo nosso].

CRULS, Luís – Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil. Relatório Cruls. Edição Especial do Relatório da Missão Cruls (1892-1992).

 

Esse registro é o início. É a ideia. É o Lago!

Em 1948, a Comissão de Estudos para a localização da Nova Capital do Brasil, presidida pelo General Poli Coelho referendou os estudos da Comissão Cruls, 55 anos depois. No entanto, não faz citações ao lago.

Somente na Comissão de Localização da Nova Capital, presidida pelo Marechal José Pessoa, em 1955, os urbanistas Raul Pena Firme, Roberto Lacombe José de Oliveira Reis, membros da Subcomissão elaboram um estudo preliminar para a nova capital. Este estudo já privilegiava o nosso lago e assim constava no relatório: “projetou-se uma barragem a jusante do rio, que se transforma num lago ornamental.”

Juscelino Kubitschek é eleito presidente do Brasil em 1955. No seu plano de metas, a construção da nova capital Brasília era meta-síntese.

É lançado o edital de concurso para o Plano Piloto da Nova Capital do Brasil.Os candidatos estavam cientes que deveriam criar uma cidade e que um lago existiria ali.Em 15 de março de1957, o júri escolheu o projeto de número 22 de autoria do arquiteto e urbanista Lúcio Costa.O projeto era simples e belo.Indicava ali no Planalto Central brasileiro uma cidade-parque, reunia perspectivas e influências de muitas partes do mundo.

Há algum tempo Lúcio Costa, se destacava no cenário das artes e arquitetura no Brasil. Estudante da escola de Belas Artes do Rio de Janeiro e, posteriormente, diretor dela, foi responsável por mudanças no ensino de arquitetura e urbanismo. Humanista,reservado,mas interessado e preocupado com as questões brasileiras, teve como colegas de trabalho Carlos Drummond de Andrade, Rodrigo Melo Franco e Oscar Niemeyer.

Chamando o lago de lagoa no seu plano vencedor, Lucio Costa contempla o Lago Paranoá e a ocupação de sua orla como descreve no item 20 do Relatório Descritivo do Plano Piloto de Brasília 1959: “Evitou-se a localização dos bairros residenciais a orla da lagoa, a fim de preservá-la intacta, tratada com bosques e campos de feição naturalista e rústica para os passeios e amenidades bucólicas de toda a população urbana.[grifamos]”

O brilhante urbanista autor do Plano Piloto de Brasília se refere ao Lago com salvaguarda: “O Lago Paranoá foi fundamental desde o início e não foi proposta minha. Quando foi escolhido o local da nova capital já havia a possibilidade de se fechar aquela garganta e criar o lago. De modo que o lago foi uma peça fundamental na proposta da nova capital.Acho, de fato, que se deve tornar o lago mais acessível para a maioria da população”(COSTA,1987).

No seu livro Por que construí Brasília o presidente Juscelino Kubitschek nos relata as dificuldades que se apresentaram no processo da construção da barragem que originaria o Lago.Problemas com a firma contratada inicialmente o deixara bastante preocupado: “[…] o êxito da Operação -Lago valeu o risco corrido. A barragem foi construída e fechada justamente a doze de setembro e, neste dia, teve início o represamento do Paranoá.”

O local da capital já fora escolhido. O lugar do lago também. O sítio Castanho receberia os traços de Lucio Costa. A “fenda” muito antes vista por Glaziou, deveria ser preenchida.

A fenda apontada pelo talentoso botânico em 1885 não era a mesma em 1958. No final da década de 50 uma população de centenas de famílias ali morava.Fazendo alusão ao farto material de construção usado para os barracos, a vila passa a ser chamada de “Sacolândia”.Depois, “Vila Bananal”e pela liderança do funcionário da NOVACAP Amaury de Almeida a vila de operários passou a ser conhecida por “Vila Amaury”.

Durante oito meses as águas avançavam mansas, lentamente, por sobre as terras secas e coloridas do cerrado. Terras inundadas.

Foram assentadas em Sobradinho as primeiras famílias transferidas da Vila Amaury e de invasões próximas a Vila Planalto.Outras famílias foram encaminhadas para a cidade do Gama.

É preciso pontuar a labuta dos operários na construção da barragem do Paranoá e a intervenção do presidente Kubitscheck durante as obras, tida como impulso vital para a tão esperada conclusão das obras.

Transcorridos mais de meio século após a inauguração da Capital Brasília, o Lago Paranoá está lá, calmo e cristalino, refletindo o céu de Brasília, único para quem o conhece, compondo um cenário talvez não imaginado, mas vivido, cada momento, pelos que ali sonharam anos antes.

A cidade de Brasília é recente. Contudo, as pesquisas demonstram que a sua história atravessou séculos e o Lago Paranoá participa dessa como se abraçasse com suas águas o clamor de suas origens.

Nesse sentido torna-se oportuna a reflexão da apropriação do lago pela comunidade. Brasilienses, candangos, moradores do Distrito Federal, turistas, pesquisadores, pescadores, ambientalistas e até mesmo os aventureiros, aqueles que desfrutam de suas belezas precisam conhecer essa bela História.

O Lago Paranoá é um patrimônio natural da capital Patrimônio da Humanidade. Valorizemos as visões, as decisões, a empreitada deles: Glaziou, Juscelino, Lúcio, Oscar, Sayão, Israel, Ernesto e tantos outros.

É certo que conhecendo as nossas origens poderemos, assim, contribuir para uma sociedade mais consciente dos seus lagos, das suas cidades, das suas vidas, da sua História.

 

 

REFERÊNCIAS

Constituição Republicana 1891.

FONSECA, Fernando Oliveira. Org. Olhares sobre o Lago Paranoá. Brasília: Secretaria de Meio Ambiente e recursos Hídricos, 2001.

CRULS, Luiz. Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central: relatório Cruls. Brasília: CODEPLAN, 1992.

Relatório Técnico sobre a Nova Capital da República: relatório Belcher. 3 ed. Brasília: CODEPLAN, 1984.

COSTA, Lúcio. Relatório do Plano Piloto de Brasília: Brasília Cidade que Inventei. ArPDF, CODEPLAN, DePHA. Brasília: GDF, 1991.

KUBITSCHEK, Juscelino. Por que construí Brasília. Brasília:Senado Federal, 2009

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