Mário Diniz de Araújo Neto

Geógrafo

Professor Associado IV Universidade de Brasília – UnB

Diretor do Instituto de Ciências Humanas – IHD/UnB

APRESENTAÇÃO

            Este documento é um resumo da apresentação realizada no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHGDF) em um curso básico de Geografia Física do Distrito Federal (DF), ministrado nos anos de 2014/15. O objetivo foi contribuir com o nivelamento dos professores de Geografia da rede pública. O tema aqui tratado, Rios e Redes Hidrográficas, se enquadra no amplo escopo da Geografia Física. Esta área do conhecimento lida com as interações dos fenômenos na superfície da Terra para explicar as diferentes formas de usos e, organização das atividades humanas. A Geografia Física, assim compreendida, fornece as condições e o cenário no qual se desenrolam os processos históricos, políticos e econômicos que marcam e caracterizam as diferentes dinâmicas dos territórios.

            Ao se escolher Rios e Redes Hidrográficas como atributos no espaço geográfico do DF a intenção foi a de demonstrar, de maneira a mais concreta possível, uma forma de estudos integrados. Os problemas geográficos sejam de caráter físico ou humano têm grande visibilidade quando colocados no âmbito dos estudos dos rios e suas redes. Estas questões, por extensão, se desenvolvem nas bacias hidrográficas as quais, em síntese, espelham o mosaico das atividades humanas e seus efeitos na paisagem, em fluxos e constantes transformações.

            Neste aspecto espera-se que, estas noções básicas da Geografia Física não sejam palavras em discussão. Mas, algo real a servir como instrumento para compreensão dos diferentes arranjos das atividades e possibilidades de manejo, nos espaços habitados pelas sociedades humanas.

1.      ASPECTOS GERAIS

RIOS, DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA NA HISTÓRIA: USOS E OCUPAÇÃO.

            Antes de tudo é necessário definir o rio como uma corrente de água contínua durante o ano (rio perene) ou somente em determinadas épocas (rio intermitente) que, desemboca no mar ou em outros rios (afluentes) ou ainda em lagos ou se perde no terreno. Agrega-se a esta definição o fato de que os rios são limitados pelas margens e, o rio principal com todos os afluentes constitui uma rede fluvial, um sistema ou bacia hidrográfica.

            É importante lembrar a relação da Geomorfologia com os diques marginais dos rios que, dão suporte aos ecossistemas de matas ciliares ou florestas galerias. Por sua vez a vegetação tem papel fundamental na dinâmica dos processos fluviais. Os diversos níveis de cobertura interceptam e protegem os solos da ação direta das gotas de chuva assim evitando o assoreamento do curso de água; as raízes e a matéria orgânica em decomposição mantêm a estrutura, permitindo os fluxos de ar e água na matriz do solo. Esta água recarrega os lençóis subterrâneos e flui para os rios.

            Numa perspectiva histórica desde a Antiguidade os rios desempenharam importante papel para a humanidade como fontes de abundância e destruição. Sabe-se que importantes culturas floresceram através da mobilidade dos homens, instituições, comércio e invenções ao longo das hidrovias. Estas fluem nas paisagens humanas onde, por meio das técnicas, se praticam a irrigação, a drenagem e a captação ou represamento das águas. Tais tipos de intervenções tiveram impactos nessas paisagens e nos próprios cursos de água.

2.      NASCENTES: ORIGEM E ECOLOGIA

             Conforme Odum (1971) são águas em movimento (“aguas lóticas”) e podem ser consideradas como laboratórios naturais de temperatura constante para os estudiosos das águas. Em virtude da relativa constância dos parâmetros químicos e físicos (velocidade e temperatura), quando comparadas com rios e lagos, as nascentes são importantes como área de estudos ecológicos.

            No Brasil, pela importância na manutenção das vazões, estão incluídas na categoria de Áreas de Preservação Permanente (APP). Entretanto, em geral e especificamente no Distrito Federal, sofrem perturbações como desmatamento, compactação dos solos, contaminações diversas em decorrência da expansão agrícola ou urbana.

3.      RIOS E OS COMPONENTES DO BALANÇO HÍDRICO.

            A relação básica acerca da distribuição da chuva que cai diretamente no curso de água, ou escoa à superfície podendo se infiltrar e fluir através das camadas no solo para chegar aos rios e assim, contribuir para as necessidades hídricas dos organismos é:

 

P= I + Inf + ET + Es + ΔAS + Dp + ΔASub + EASub

P: Precipitação

I: Interceptação

Inf: Infiltração

ET: Evapotranspiração

Es: Escoamento Superficial

ΔAS: Variação no volume de água no solo

Dp: drenagem profunda

ΔASub: Variação no volume de água subterrânea

EASub: Escoamento da água subterrânea

            Estes componentes, como se verá adiante, vêm sofrendo alterações, mais ou menos severas, em consequência dos processos de ocupação do território e uso dos recursos hídricos.

            Em geral no período das chuvas no DF, são comuns na mídia as notícias e imagens das cheias, causadas pela expansão urbana e consequente impermeabilização dos solos e, acúmulo de resíduos sólidos nas galerias coletoras de águas pluviais. As águas das inundações escoam para o Lago Paranoá provocando o assoreamento, perda de qualidade da água e, prováveis prejuízos para a geração de energia elétrica. Em futuro não muito distante a deposição de sedimentos no Paranoá poderá prejudicar as captações, já planejadas, para o abastecimento humano. 

4.      O PAPEL DOS SOLOS COMO RESERVATÓRIOS DE ÁGUA E NUTRIENTES.

Do ponto de vista físico um solo mineral é um meio poroso constituído de partículas inorgânicas, matéria orgânica em decomposição, ar e água. Em se tratando de um corpo dinâmico, duas propriedades físicas dos solos são importantes para o movimento da água: a textura e a estrutura. Textura faz referência ao tamanho das partículas minerais. São as proporções relativas das partículas de variados tamanhos em um determinado solo.

A estrutura consiste na arrumaçãodas partículas do solo nos grupos ou agregados. Juntas estas propriedades ajudam a determinar, não só a capacidade de suprimento de nutrientes do solo, como também o movimento de água e ar, importantes para as plantas e balanço hídrico.

5.      FUNCIONAMENTO DOS RIOS: CONTÍNUO FLUVIAL E PULSOS.

Na perspectiva da distribuição dos nutrientes (energia) para a fauna o conceito de Continuum Fluvial é satisfatório. Porém é sabido que os rios “fertilizam” suas várzeas em ciclos de cheias e vazantes (flood pulse concept). Esta fertilização provém da produção de sedimentos pelos processos de intemperismo.

O “pulso das cheias” por movimentar sedimentos e nutrientes é a força motriz responsável pela existência da produtividade, interações bióticas e, benefícios para a agricultura de várzea.

Esta situação pode ser alterada com a construção de represas para a geração de energia elétrica. Estes aproveitamentos na maioria dos casos ao regularizar as vazões modificam o regime do rio. Em consequência os “pulsos das cheias” podem ser reduzidos deixando de fertilizar as várzeas e, assim acarretando prejuízos para as atividades agrícolas.

6.      ZONAS FISIOGRAFICAS: DIFERENÇAS ALTIMÉTRICAS E DINÂMICAS FLUVIAIS.

A partir de conceitos clássicos da Geomorfologia Fluvial é possível compartimentar os rios nas seguintes zonas fisiográficas:

7.      BACIAS HIDROGRÁFICAS: CONCEITOS

            As bacias hidrográficas são unidades naturais de estudo para hidrólogos, geógrafos, geólogos, engenheiros e outros profissionais que se ocupam do planejamento territorial. Nesta unidade não apenas é possível se elaborar o balanço das “entradas” (inputs) e “saídas” (outputs) de energia (água, carga sólida, elementos químicos    ). As “saídas” representam a integração dos processos que operam no interior da bacia hidrográfica.

            Esta integração é objeto de estudos, por exemplo, nos campos da Ecologia e da Geografia uma vez que estes sistemas respondem às mudanças (estresses) físicas e químicas impostas ao rio pelas atividades humanas.

            Entendemos as bacias hidrográficas como Sistemas Abertos compostos por variáveis X e Y ocorrendo como “entradas” e “saídas” em intervalos (t) de tempo. É importante saber como uma variável de entrada X se transforma em Y (“saída”). Para isso é necessário o conhecimento das funções de transferência S expressa na seguinte relação: Yt = SXt

            Aos professores cabem as explicações acerca de “como” determinada sequência de interações redundou neste ou naquele resultado.

Embora as sociedades humanas, desde a Antiguidade, tenham reconhecido a importância da chuva para as plantas e abastecimento foi, somente nos três últimos séculos que, se entendeu o fato de que se trata de águas a se movimentarem em um ciclo. Nos dias atuais, compreendemos esse “ciclo” como um sistema passível de ser analisado em seus diversos componentes. As primeiras ideias acerca da formação dos cursos de água se baseavam em especulações e mitologia; acreditava-se que a chuva fosse insuficiente para alimentar os rios. A suposição era que os rios seriam abastecidos por fontes subterrâneas, ligadas de alguma maneira aos oceanos. Foi apenas no século XVIII que surgiram teorias plausíveis acerca do ciclo hidrológico fundamentadas em evidências experimentais.

No âmbito dos estudos de Hidrologia as bacias hidrográficas podem ser:

Os problemasque podem impactar e levar a perda da qualidade das águas em uma bacia hidrográfica, podem ser como os listados abaixo:

8.      URBANIZAÇÃO NO DF E EFEITOS HIDROLÓGICOS

No metabolismo das cidades observam-se as fases de desmatamento, abertura das primeiras vias de circulação e construção dos principais prédios, sem efeitos hidrológicos visíveis. Porém, na medida em que as áreas urbanizadas crescem e se expandem com o estabelecimento do comércio, serviços públicos, áreas residenciais e, mais vias de circulação acentuam-se as alterações hidrológicas.
Fonte: Correio Braziliense, novembro de 2014

A imagem acima não precisa de muitas explicações. Evidencia apenas os altos e intensos índices pluviométricos do DF e, a perda da capacidade de infiltração decorrente da impermeabilização de áreas por asfaltamento, construção civil e, drenagem urbana deficiente ou impedida por despejo de lixo. As águas que antes se infiltravam no solo indo recarregar os lençóis subterrâneos agora escoam à superfície, causando inúmeros prejuízos sociais e econômicos. Pela coloração das águas é possível inferir que são provenientes de terrenos desmatados com solos expostos e compactados.

9.      AS ÁGUAS NO DISTRITO FEDERAL E O FUTURO

            Informações sobre os recursos hídricos do DF indicam uma disponibilidade hídrica de 1.300 metros cúbicos por habitante ano. Volume abaixo do mínimo recomendado pela ONU que é 1.500m3 por habitante/ano. A situação é agravada quando se comparam os volumes produzidos com as demandas atuais por água.

            Embora os levantamentos sistemáticos dos recursos hídricos indiquem a “existência de apreciáveis quantidades de águas de superfície e subterrâneas suficientes para prover o abastecimento dos aglomerados sob o enfoque do uso humano, industrial e, agrícola em distintos processos de produção, irrigação, esporte, lazer e geração de energia elétrica” (Lucídio Guimarães Albuquerque, Distrito Federal- Geografia das Águas. SEMARH, 2001).

            Em contraponto à afirmação acima dados de um recente Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas do D.F (TCDF, 2010), revelam a atual situação das águas para abastecimento no DF.

A referida auditoria mostrou que a quantidade de água demandada alcançou a disponibilidade hídrica dos mananciais utilizados para o abastecimento público e o DF corre risco de desabastecimento caso alternativas não sejam implementadas em curtos e médios prazos.

Em 2009, a demanda por água no dia de maior consumo atingiu 8.544 l/s, ou seja, 97% da disponibilidade dos sistemas operados pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB). Para atender a esta, a Empresa já vislumbrou a utilização de outros mananciais como Paranoá (2.800l/s), Bananal 600 a 750l/s (vazão sazonal) e Corumbá Sul com 5.600l/s distribuídos em partes iguais entre Goiás e DF.

O quadro atual acerca das pressões exercidas pelos usos, degradação dos mananciais pela falta de fiscalização é preocupante.

Ainda em conformidade com a auditoria do TCDF como causas mais relevantes para a atual situação sobre os recursos hídricos do DF apontam-se: no Instituto Brasília Ambiental (Ibram), a carência de recursos humanos e materiais, com destaque para a dificuldade de acesso a imagens de satélite, a capacitação insuficiente dos recursos humanos existentes e o baixo índice de investimento em recursos materiais para as atividades de fiscalização e monitoramento; na Agencia Reguladora de Águas (Adasa), o fato de as ações de cadastramento e outorga das captações individuais no DF terem começado efetivamente somente no final de 2008.

O conhecimento insuficiente da situação dos corpos hídricos prejudica o planejamento e o desenvolvimento de ações de fiscalização, de preservação e de recuperação de corpos hídricos do DF. Constatou-se que mesmo os corpos hídricos de relevância estratégica para os atuais planos de expansão do sistema de abastecimento público, como os da Bacia do Paranoá, carecem de fiscalização para minimizar as agressões que sofrem pela proximidade de setores habitacionais, comerciais e áreas destinadas à agricultura. Para concluir, em rápido comentário sobre as informações divulgadas pelo TCDF, são possíveis as seguintes considerações:

 

  1. REFERÊNCIAS CONSULTADAS

 

Albuquerque, L.G. 2001 Distrito Federal. Geografia das Águas. Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Distrito Federal

 

Bennet, R. J & Chorley, R.J 1978 Environmental Systems. Philosophy, Analysis & Control. London, Methuen & Co. Ltd. 624p

 

Brady, N. C. Natureza e Propriedades dos Solos 1989 7a ed. Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos, trad. Antônio B. Neiva FigueiredoFo 878p

 

Dunne, T. & Leopold, L.B 1978 Water in Environmental Planning. USA Freeman Company 818p

Fonseca, R. Clementino, M. Martinelli, M. Conti, L.C. Efeitos do Assoreamento do Lago Paranoá na Geração de Energia Elétrica. CEB- Geração s/d (apresentação em PPT)

 

Junk, J.W. Bayley P.B. Sparks, R.E 1989 The Flood Pulse Concept in River Floodplain Systems in D.P Dodge (ed) Proceedings of the International Large River Symposium. Can. Spec. Publ. Fish. Aquat. Sci. 106

 

Odum, E.P 1971 Fundamentos de Ecologia Lisboa 6a Edição Fundação Calouste Gulbenkian 820p

 

Tribunal de Contas do Distrito Federal 2010 Auditoria Operacional na Gestão dos Recursos Hídricos do Distrito Federal.  Relatório (Versão Simplificada) Coleção Auditorias do TCDF v.3 Brasília DF 40p

 

Whitehead, P.G., Robinson, M. 1993 Experimental Basin studies – an international and historical perspective of forest impacts. Journal of Hydrology, 145; 217-230 Amsterdam, Elsevier Science Publishers B.V

 

CRÉDITOS DAS IMAGENS – SITES CONSULTADOS

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/02/08/interna_cidadesdf,348580/qualidade-da-agua-dos-rios-do-df-e-classificada-como-media-e-boa.shtml

 

Enchentes em Brasília

httpss://andradetalis.wordpress.com/2012/11/21/cachoeira-e-inundacoes-em-brasilia/

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *